Hoje termina a 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e eu fico pensando na época em que eu fazia aquelas loucuras. Não só de ficar o dia todo em sessões de cinema, passando de uma sala correndo pra outra, planejando os filmes que dava pra pegar e os lanchinhos que dava pra fazer, isso é de praxe. Mas e aquelas sessões que eram canceladas? Eu já peguei caso de atraso porque a lata do filme não tinha chegado, e quando acabou a luz no tal cinema? E quantas vezes não passei raiva porque não consegui a sessão que eu queria, uma vez ficando desde cedo na fila, antes de o cinema abrir, pra chegar perto da hora e vir um carinha monitor da Mostra avisar que tinha ingresso só pra metade daquela fila…
É, eu já desisti tantas vezes do cinema e acho que tô ficando gato velho escaldado, porque, honestamente, tá dando mais onda pra mim não. Em outros tempos, eu teria ido lá passar frio no Vão do Masp pra ver alguma sessão qualquer (e engraçado como sempre faz frio em algum dia da Mostra, e sempre chove em algum dia da Mostra…), só para ter o prazer coletivo de não pagar ingresso pra estar num cartão postal da cidade prestigiando cinema, apesar das luzes e buzinas dos carros atrapalhando, e um ou outro bêbado gritando no meio da sessão (sim! Mostra SP).
Em outros tempos eu teria ido ontem à exibição especial de “Central do Brasil” (1998) ****, em que prometeram presença do Walter Salles e elenco – gente, 20 anos! E pensar na minha felicidade e orgulho ao ver um filme brasileiro estar em cartaz em cinema japonês. Sim, nessa época em que estreou no Japão, eu morava por lá, entendia menos ainda do que hoje de cinema, mas tinha achado lindo.
Em outros tempos, eu teria me esforçado para ir neste último dia de Mostra, apesar do toró que caiu em Sampa, lá no Ibirapuera, fechar com chave de ouro esta temporada de filmes com “Roma”, do Cuarón. Mas vejam só, senhoras e senhores, se a gente não comete nem uma loucurinha? Não consegui pegar ingresso online para “Assunto de família” do Koreeda, e dei um jeito de sair mais cedo para ir até o CineSesc – claro que sem pretensões reais de conseguir um ingresso – mas, não contente, ainda andei (sim, encarei essa caminhada de 40 minutos) até a Cine Sala, lá pelos lados da Fradique, pra descobrir que “Infiltrado na Klan” do Spike Lee também estava esgotado. Claro, claro, um vencedor de Cannes e os dois indicados pelo Guia da Folha? Mas do que adianta a gente procurar escolher algo bom entre os 300 e poucos filmes da Mostra, não é mesmo? A Mostra é pra quem compra pacote, quem se planeja lá atrás, cinéfilo de carteirinha, se você só quer ver um filme “alternativo” tem que se contentar com pouco ou não esperar nada – Mostra é pra mostreiro.
Então, eu optei por escolher minha própria saúde – pelo menos desta vez, pelo menos este ano – e só vi um filminho só. Porque foi o que deu, e tá bom, porque afinal de contas, muita coisa acontecendo na vida por aí, né, fazer o quê.
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3 Faces (Se rockh /2018) ***
Daí me lembro também de que, num passado longínquo, quando eu ainda acreditava que um dia eu poderia ser cinéfila, eu achava demais ouvir que alguém tinha visto um filme iraniano. Eu pensava “que cult, um dia vou ser assim”. Pois bem, pelo menos uma vez na vida posso dizer que vi um filme iraniano. hahaha (mentira, que em algum momento da vida a gente já deve ter visto Kiarostami ou Farhadi, certo?)
Aliás, é impressão nossa ou as estradas aqui também homenageiam um pouco Kiarostami? Bem, bem, vamos lá.
Historinha: um diretor e uma atriz vão até um vilarejo constatar se um suposto suicídio de uma jovem é verdade.
: D – Aqui, as pessoas da vida real retratam a si mesmas, coincidindo o nome dos seus personagens. E não podemos ignorar que o diretor e um dos personagens principais está na verdade impedido de sair do país (e até de filmar?). Se pensarmos então quem são as 3 faces – uma aspirante a atriz, uma atriz famosa e uma artista do passado, quase esquecida/escondida no meio do nada… não é também interessante pensar que o próprio diretor se mescla com essa terceira face nesse quesito de estar escondido para fazer sua arte? E pensar em como cada um aparece, “dá a cara”; todos mais jovens usam seus celulares, inclusive para persuadir ou mostrar o que quiserem, uma figura pública tem outras preocupações.
: D – e quando os cidadãos percebem que eles não vieram ali para ajudá-los, que ninguém se importa com eles mesmo, perdidos ali no meio do nada, quase sem nem o básico (energia elétrica ou abastecimento)… não é um tapa na face, de quanto a gente dá voz ou importância a certas coisas e outras não?
: D – é esperta e aprovamos a transição de uma cena, quando o irmão está com uma pedra na mão e depois vemos aquele vidro quebrado… às vezes a gente não precisa dizer nada, só observar pra ver no que vai dar.
: D – “e vocês teriam vindo?”, apesar de estarmos com raiva por ela ter usado de subterfúgios, a gente sabe que não teriam não.
Um comentário interessante que ouvi foi que existem alguns momentos em que “dá medo” – aquela mulher andando sozinha à noite e sendo convencida a ir na casa das pessoas, ela não vai ser roubada ou pior?, o boi no meio do caminho não é um golpe? Talvez nós estejamos tão acostumados a estarmos desconfiados de tudo (assim como a gente já começa o filme desconfiando daquele vídeo, junto com Jafari), que não consigamos perceber o que na essência é o lado bom do ser humano? Sua genialidade, sua qualidade, sua pureza… E o que isso tem a ver com budismo? Na linha budista que sigo, sempre dizemos que qualquer pessoa tem o potencial dentro de si para despertar para as verdades que libertam dos sofrimentos. Quando falamos de “desapego”, isso pode significar às vezes deixar de lado alguma “maldade” que vemos, por exemplo, para descobrir a verdadeira essência boa existente em tudo. Mesmo nas pessoas mais difíceis, mesmo nas situações mais limites, mesmo em meio a algum problema.