Coisinhas divertidas que me fizeram gostar mais de John Wick 4

Sabe aqueles comentários aleatórios que a gente pode fazer superficialmente sobre um filme como esse, uma sequência de ação de um filminho lá de 2014 que imagino nem ter tido grandes pretensões, mas bombou no mundo inteiro, explodiu em popularidade e até com críticos, e daí foi ganhando proporções cada vez maiores; coisas do tipo “ai, por que tem toda essa duração, uma hora a mais que o primeiro!”; “ai, que ridículo, e esse povo todo aí na boate nem vai parar de dançar ou fugir? E esses carros todos nessa famosa rotatória, com esses tiroteios, nem vão parar e fugir?”, “cadê todos os turistas ou boêmios desses lugares?”; “como um trem no Japão poderia estar com vagão totalmente vazio, e o cara tinha fugido há um tempão, deu tempo da moça ver o duelo final do pai e ir atrás dele?”, “como que uma pessoa cai dessas alturas e nem quebra nada, levanta e sai andando pra lutar?” etc.

Pois é, mas daí é que vem a coisa, as coisas, de quem gosta de cinema mais do que por aquela uma horinha (ou quase três?) de historinha que entretém e faz a gente esquecer um pouquinho das nossas atribulações diárias, comuns e por vezes enfadonhas. São coisinhas divertidas que, pelo menos pra mim, funcionam às vezes para curtir determinado filme com outros olhos. Aqui vão algumas sobre “John Wick 4: Baba Yaga”.

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(!) Lembrando que este blog não acredita em spoilers – uma coisa é você sabe quem vai morrer, outra é se divertir vendo como e quantos vão com ele.

*Vamos começar com o primeiro item meu favorito: Keanu Reeves. Muita gente no mundo adora o Keanu por inúmeras razões, e eu sou uma delas, apesar de geralmente eu gostar de ser “do contra”, não tem jeito, gente, o cara é muito gente boa independente de tudo que lhe tenha acontecido na vida, das pessoas que conheça, ele já foi “the one”, ele já foi “Buda”, não tem como! Mesmo ainda mais lacônico como de costume (muita gente também pode argumentar que ele não é bom ator, a gente sabe, mas a gente continua a gostar dele, tá), nós torcemos para John Wick finalmente encontrar sua paz, depois de tanta luta, de tanta morte – este foi o que ele mais matou gente!

*E daí passamos para outra coisa muito divertida aqui: a camaradagem. Keanu traz com ele alguns amigos, o hoje diretor Chad Stahelski foi dublê do Keanu lá pelos “Matrix” da vida, no segundo filme já trouxeram o colega Laurence Fishburne (Bowery King); neste Keanu reencontra um japa que já está há um tempão na ativa como ator, mas recentemente me lembro de trabalharem juntos em “47 ronins”, Hiroyuki Sanada (Shimazu).

*Apesar de quase sessentão, é admirável que Keanu se disponha a treinar o máximo que puder para suas cenas de lutas e ação, além de cuidar dos dublês! Não só vendo se estão se alimentando direito (!), mas vocês conseguem imaginar quantos figurantes e dublês trabalham numa produção como essa? Alguns devem ser usados em cenas diferentes, vivendo mortes diversas, e não é que Keanu providenciou camisetas distribuídas ao final das filmagens para os dublês, com o número de mortes que cada um viveu? Inclusive o principal que foi seu próprio dublê foi convidado pelo próprio Keanu para a premiere do filme em Londres, bem legal, hein.

*Quando o diretor vem em entrevista citando alguns nomes de personagens que vivem absurdos – até, por exemplo, o Coiote do Papa-Léguas, dizendo que só quer que o público relaxe e se divirta, a gente compreende que existe uma suspensão da realidade, talvez um pouco distante de certa verossimilhança no primeiro filme, mas talvez alcançada após toda essa saga que acompanhamos. Ele próprio considera como um filme de fantasia, só que se fosse passada na atualidade, com todo esse submundo e suas regras bem debaixo do nosso nariz – e por isso é proposital vermos tanta ação ocorrendo com todas as outras pessoas alheias à sua gravidade.

*Sim, as cenas de ação, bem como vários diálogos e outros momentos, referenciam outros filmes, como ir atrás de um vilão no clube noturno, ter a cabeça a prêmio, mas pessoalmente não acredito que comprometa, pelo contrário, crescendo, vemos como um desafio ainda mais grandioso. É muito divertido ver, por exemplo, a câmera nos mostrando do alto os inimigos de John e como os corpos se movimentam naquele velho apartamento, quase como um video-game, mas não sem a surpresa de armas que cospem fogo ou sem perder detalhes como os posicionamentos para que saibamos que John consegue ver o capanga quase para atirar no cachorro – e é claro, sabíamos que ele optaria por salvar o cachorro! S2

*A renovação fica por conta dos cenários e uma das sequências bem exploradas em questões de arte foi no Hotel Continental Osaka, com o tema das cerejeiras (símbolo da efemeridade) e os belos painéis de vidro com artes de samurais; os arcos e flechas, pois armas no Japão são mais difíceis de serem obtidas e talvez mais pela questão de tradicionalismo da cultura local; teve até direito a alguns lutadores de sumô e, obviamente, embates de espadas – por falar nisso, o personagem de Caine é baseado em Zatoichi, mas o ator (Donnie Yen) traz consigo também referências de outros tipos de lutas de filmes anteriores seus.

*Mais um belíssimo cenário: no Museu do Louvre, por trás do Marquis vemos um quadro de um soberano vendo diversas mortes por seus guardas, em sua frente Winston passa por outros quadros de Delacroix, que remetem à revolução e liberdade.

*E que maravilhoso descobrir que esse diretor virginiano também gosta de “O fabuloso destino de Amelie Poulain” (de outro diretor virginiano, como eu, e como Keanu), não à toa a escolha de locação de Montmartre. A escadaria realmente tem 200 e tantos degraus, faz referência ao mito de Sísifo e é outra cena trabalhosa para os coreógrafos – mas gente, nem acreditei quando o cara sai rolando escada abaixo sem parar! Porém, gostei da referência de Caim e Abel em comparação aos “irmãos” John e Caine. Sem falar no duelo final diante da Sacre Couer (que na tradução do seu título completo faz referência a um mártir, assim como Wick se torna).

*Por falar em referências, que tal logo no início fazer homenagem à “Lawrence da Arábia” (embora eu, particularmente, nem achei que fosse muito útil essa sequência haha)? E lembramos também do jeitão western de “Três Homens em Conflito”, ou simplesmente do Sergio Leone. O modo como a caçada ao John por Paris é narrada pela DJ faz referência a “Os selvagens da noite” (1979).

*E o que mais? Provável que tenha muito mais coisinhas divertidas para se notar, mas fico por aqui. Achei bem competente todo o visual, os efeitos, e principalmente o duelo final para John Wick finalmente ganhar liberdade. Claro que Hollywood sempre vai dar um jeito de “ressuscitar” personagens – mas é legal nos despedirmos bem, e pra mim é despedida, assim como foi daquele último 007 James Bond do Daniel Craig. Assim como foi da Midge da Mrs. Maisel; gente, não esqueci da última temporada, juro – assim como não esqueci que a filha Akira tinha jurado ir atrás do cara que matou seu pai. Que ano! E pensar que Lance Reddick também se despediu neste (como Charon), e deste mundo. Mas acho que as melhores mortes são assim, quando a pessoa meio que fez tudo o que veio para fazer neste mundo, aproveitando o melhor de sua vocação e natureza, fazendo o que ama. No caso de John Wick, matar, mas, enfim né.

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