O passado que nos condena: Oppenheimer, Guardiões da Galáxia vol. 3

Pensaram que eu tinha entrado de greve junto com os roteiristas e atores de Hollywood? Quem me dera. Ultimamente tenho daydreameado bastante com isso, e se eu pudesse morar em Los Angeles, viver na Califórnia, como naquela canção do Lulu, ser artista de cinema? E, às vezes eu me pergunto se eu tivesse feito escolhas diferentes quando jovem talvez essa realidade teria sido mesmo possível sem tantas perdas e danos pelo caminho.

Só que não, eu só acabei não escrevendo por aqui por mais de mês simplesmente pelas correrias diversas a que eu mesma me imponho; então calma que o último post da série “The marvelous Mrs. Maisel” vai chegar, só que vou ter que rever os últimos dois episódios que foram muito emocionados e sem tempo hábil para eu sentar e tomar nota antes das curtas férias escolares da minha espevitada offspring. Viajamos para o norte nessas férias de julho (e nem conseguimos tomar o saboroso Carimbó da Cairu! Shame!), ela ficou doentinha, eu fiquei mal, pensando em complicações de saúde e mais uma vez distante numa visita curta a São Paulo, embora muito bem aproveitada: com direito a affogato da Bacio, longa conversa com uma amiga querida no Guarita, consulta na oftalmo e pesquisa de óculos mais sustentáveis, sala Imax num espaço agradável (e a surpresa feliz de descer em frente aos estúdios da O2), almoço francês (tartare e drink de Lillet no Rendesvouz, aquela indulgência que a gente precisa se permitir de vez em quando), além de, principalmente, um treinamento espiritual intensivo.

E aqui devo me debruçar um pouco mais em palavras se misturando com dois ótimos filmes que pude conferir dentro dessas últimas semanas – finalmente algum filme bom! Sentia-me até então fadada a preencher meus dias com comédias românticas bem medíocres. “Oppenheimer” (2023) é um deles, um filme grandioso, para um cineasta que é sempre meio megalomaníaco – confesso que Christopher Nolan tinha me perdido com “Tenet”, que desgostei bastante, embora eu tenha apreciado bastante as várias incursões complexas anteriores, “Interestelar” e “A origem” meus favoritos. Com certa ironia por ser um filme mais intimista, sobre um personagem da vida real, o criador da bomba atômica (e não sobre a bomba em si), o que também nos faria duvidar se vale o ingresso do Imax? Ou valeu para Kodak fazer um negativo especial para o formato do diretor? Fazia um tempão que eu não conferia um filme numa sala Imax e me peguei surpreendida com o tamanho da tela, mas pela qualidade de som e sentando no lugar indicado pelo diretor, para mim, valeu a pena sim. Sem falar que peguei desconto de dia de semana ;)

Com certeza o filme vai entrar aí como indicado em várias categorias para o próximo Oscar, e desde já torço pelo Cillian Murphy, porque já tava na hora desse ator ganhar esse reconhecimento, né. Mas todas as outras atuações de apoio também estão firmes, com algumas surpresas de atores famosos em pontas (Kenneth Branagh, Gary Oldman, Rami Malek, Casey Affleck entre tantos), com destaque para um envelhecido Robert Downey Jr. vulnerável e arrogante, um militar Matt Damon, a esposa sem trelas Emily Blunt e a presença intensa da amante que dispensa flores Florence Pugh. Na verdade, são tantos os nomes que vemos interagir com Oppie que até o espectador norte-americano deve ficar perdido, mas o que importa é que Einstein tem indagações maiores do que um político pode imaginar.

Todos os artifícios visuais são envolventes, nós nos impressionamos juntos naquele teste, que parecia que ia dar tudo errado; sentimos o amor do cientista por Los Alamos. A montagem do filme é entrecortada, com alternância de impressões conforme as visões diferentes dos personagens – mais declarada pelo preto e branco – sem se ater à cronologia. As cenas conflituosas são escolhidas a dedo, ótima a tensão aplicada na possibilidade de uma maçã envenenada ou como Oppie se sente desnudado, com uma relação íntima escancarada em seu interrogatório. Também compreendemos as inserções das fusões e explosões, como um sentimento e algo que invade sua mente constantemente. Assim, mais do que a trilha sonora, vejo um destaque para os efeitos sonoros, seja num ruído atordoante, ou naquele momento marcante do público celebrando o final bem sucedido do projeto, mas os gritos tendo um quê de horror, pois o que paira além da ciência são as mortes e o horror causado pela guerra.

Aliás, que coisa mais triste a discussão sobre os locais a serem atingidos pela bomba, sem importar o número de mortos (que foi muitíssimo maior que o esperado e com reverberações ainda piores), sem ética ou moral, ou humanidade. O finalzinho do filme é dedicado a Oppie lidando com algumas consequências, tentando usar sua imagem para que o uso de avanços como esse que ele conquistou fosse mais consciente. No início da projeção me surpreendi com alegria ao ver a citação sobre Prometeu, que roubou o fogo dos deuses, pois a ideia está ligada a um argumento de roteiro que escrevi este ano. Porém, meu roteiro não tinha a ver com esse outro recorte apontado pela citação, de como Prometeu foi acorrentado e torturado – como alguns de nossos erros sempre vamos arrastar conosco, nos torturando (mesmo que não física e sim mentalmente).

É aqui que o cinema, como sempre, vem falar comigo, que tinha passado por uns dias de treinamento espiritual.

Esse treinamento espiritual envolveu três dias com eu indo ao templo (quando o planejado inicial era somente um dia) e me vendo em lágrimas nos três dias. O processo incluiu tocar lá no fundo da alma a questão da gratidão, também pelos antepassados, os que vieram antes e que me apoiaram – e continuam a apoiar ainda, e por todas as oportunidades que já tive e tenho. Um outro viés foi o de me libertar um pouco do sentimento de culpa, por algumas coisas que aconteceram e como se desenrolou afetando outras pessoas; e também relacionado ao evento de saúde com minha filha, desde bebê e até a atualidade.

O último foi o ponto em comum refletido junto com “Oppenheimer”; claro que em escala bem menor, mas fiquei pensando em como nos torturamos por erros do passado, que podem nos assombrar pelo resto da vida. Nessa ordem budista que frequento, podemos fazer uma meditação que nos orienta individualmente de formas práticas a superar, evoluir, crescer. Dessa vez, fui levada a superar um pouco desse sentimento de que as coisas teriam sido diferentes, procurar a substituir a insatisfação pela gratidão do que se abre à frente e é possível.

Daí, entramos em “Guardiões da Galáxia vol. 3“. Que belezinha de filme, não é? Com tanta coisa da Marvel – e tantos títulos que ficaram devendo ultimamente – a gente meio que tinha esquecido um pouco dos dois primeiros? Porque para mim, esse ficou como favorito, apesar de não gostar da “nova” Gamora, ter menos canções que eu conheço e gracinhas, conseguiram equilibrar bem a comédia com a ação, a coisa toda de heróis/vilão e dramas verdadeiros. Visual e efeitos competentes como devem ser – ah, os trajes coloridos de astronautas! E o mais importante: a história do Rocket, finalmente, o guaxinim mais inteligente de todos os universos! Foi impossível não se emocionar com as agruras, não só porque ele era um inocente bichinho fofo e daí sofreu vendo evoluções terríveis, mas e os amigos que perdeu e teve que se recompor nessa nova família dos Guardiões, e aí de novo como novo capitão…

Groot também arranja modos inovadores de crescer e lutar, Drax se reencontra como paizão e Mantis percebe que precisa mais. Quill continua protegendo seus amigos e amando Gamora, meio chateado com o universo, mas ele deve retornar (como 007 sempre indicava no final). Tem o cara dourado Warlock meio bobão que adota um bichinho, um alívio cômico típico, mas tá valendo. O vilãozão Alto Evolucionário até que tem boa motivação, querer uma sociedade melhorada, um mundo mais perfeito e é ótimo vê-lo enlouquecido que o guaxinim conseguiu criar algo, o que suas outras criações não fizeram. Uma curiosidade divertida é que a voz da Cosmo é da Maria Bakalova (que fez aquele filme improvável com o carinha do Borat); o Nico Santos é um coadjuvante divertido num filme recente da Netflix sobre uma mulher fazendo trilha para se reencontrar, que acabei de ver outro dia; outra curiosidade é que embora Bradley Cooper faça a voz do Rocket, o stand in pra motion capture era o irmão do diretor James Gunn (que fez um ótimo trabalho final após ser demitido uma vez, mas agora parte para trabalhar no universo DC), Sean Gunn (que também faz o Kraglin, finalmente controlando a caneta com assobios). Bem, é claro que há muitas outras coisinhas divertidas para se notar, como o Stan Lee numa foto nos créditos finais, mas só pra te contar isso existem alguns vários canais no YouTube.

Enfim, mais do que esses detalhes, a história do Rocket me pegou de jeito (e eu cantando “Rocky Racoon” dos Beatles, achando que era proposital? Mas o nome era diferente, e o da amiguinha era Lila). Rocket é muito querido e recebeu apoio de muitos em seu caminho, bem colocada a cena em que Nebula e outros ouvem a voz do amigo e eles param um segundo porque a emoção toma conta. Sabe quando a gente acha que já deu, já perdeu tanta coisa, já sofreu tanto, cadê o amor verdadeiro da nossa vida?, a gente queria era ir viver em paz. Mas continuamos. E deve ser porque, afinal, ainda temos potencial para fazer mais algumas coisinhas por aqui. Ainda há mais pessoas que podemos ajudar. Com quem podemos conviver. E, na verdade, devemos é nos sentir gratos por termos ainda oportunidades e possibilidades. E mais um tempinho para as pessoas que nos estimam passarem com a gente.