“O território” e o que me dizem os Globos de Ouro

Que Hollywood sempre irá se reinventar? É, porque eu honestamente (ingenuamente) achava que esse negócio de Globo de Ouro já era e ninguém mais iria participar ou endossar o prêmio, com várias polêmicas e talz, mas que nada. Tava um montão de celebridades lá, como de costume senti um pouco de vergonha alheia com o host da vez (mas sério, hein, foi pavoroso), todos sentimos uma invejazinha da juventude que faz Timotheé Chalamet tão apaixonadinho, dei muito mais risada com a dancinha da dupla Will Ferrell + Kristen Wiig do que com todos os outros piadistas, faz total sentido terem um prêmio novo para maiores bilheterias, Lily Gladstone estava linda com seu vestido pomposo e mamãe apoiando para um dos melhores discursos da noite, e essa seria sim uma festa à qual eu gostaria de ir porque tem open bar, como bem pontuou Mark Hamill.

E que mais teve neste início de ano? Vi de uma tacada só uma das séries lá no Top da Netflix, “A grande ilusão” (Fool me once/2024) **, que é até bem competente em sua narrativa com uma protagonista interessante, por ser uma mulher forte e capacitada, com trauma passado em guerra, envolvida em um mistério após a morte do marido e da irmã, tendo que cuidar de uma pequenina e lidar com a família rica do ex. A atriz que interpreta Maya (Michelle Keegan) convence, mas acho que o destaque ainda maior é para o detetive Sami com sintomas de doença e bebê a caminho, ainda tendo que aguentar um novato parceiro designado ao caso. Acho que os atores seguram bem a trama para podermos nos surpreender ao final. Mas, para mim, pessoalmente, serviu mais para descobrir que Harlan Coben (autor original dos romances) tem vários títulos no Netflix! Gentem.

Também foi de supetão “Você é o que você come: as dietas dos gêmeos“, só porque estou nesta de meia-idade e já começo o ano pensando na minha saúde (como uma boa virginiana hipocondríaca), mas bem enganosa a chamada dessa série, hein. Eles tinham mais é o propósito de defender a dieta vegana em prol do meio ambiente do que os resultados em si na saúde, mas tudo bem, porque me fez relembrar alguns pontos, descobrir outros (como os cogumelos substituindo frangos, o restaurante da 11 Madison Square) e “dar um gás” a mais na vontade de ter uma dieta mais plant-based ainda este ano – além do motivo ecológico, a bem da verdade, também pela diabetes. O reality de poucos episódios (ainda bem!) mostra alguns pares de gêmeos que participam de uma experiência, enquanto um continua na dieta onívora, o outro gêmeo passa a ter uma dieta vegana, e o experimento tem duração de oito semanas.

Finalmente continuei e terminei a primeira temporada de “Only murders in the building“! Às vezes comédias em séries demoram um pouco para engatar comigo, mas acho que agora vai, pretendo terminar as três, porque ouço dizer que continuam bem boas. Seguindo um trio de moradores de um prédio rico em Nova York, que investigam um crime ocorrido no local enquanto fazem episódios para seu podcast de true crime, é uma delicinha de ver a dinâmica estranha e engraçada dos três e outros personagens se desenrolando – e eu bem gosto desses mistérios à la Agatha Christie. Por exemplo, os episódios que mostram mais da vida da detetive Williams, ou do surdo-mudo filho do patrocinador vivido por Nathan Lane, um dos melhores da temporada, em que procuraram deixar tudo “silencioso” como na visão do personagem Theo. Tem participação especial da Tina Fey, como outra autora de podcast famosa que vai até o Jimmy Fallon!; tem o Sting hahaha; e a Jane Lynch, então? Fazendo dublê do Charles (Steve Martin), genial. É incrível também notar a comédia física que tanto Martin Short quanto Steve Martin conseguem, apesar da idade – como não rir com aquele corpo mole meio envenenado no elevador? A eterna Holly do The Office (Amy Ryan) também tem seu momento de reviravolta, apesar de ser o interesse romântico trabalhado desde o início como uma musicista e só essa quebra de expectativa é ótima, inclusive o momento em que percebemos e desvendamos junto com Charles (na verdade ele já sabia antes de nós!).

Sobre filmes, meu sentimento geral é a vontade de escrever. E isso vai se refletindo (inconscientemente?) nas minhas primeiras escolhas do ano, uma comédia romântica da Nora Ephron para eu relembrar como eu gosto de boas comédias românticas, apesar de ser um gênero tão detratado por tantos. “A crônica francesa” é bem especial, sobre um jornal francês, separado em “colunas” contadas por seus autores em causos particularmente peculiares: tem uma voltinha de bicicleta com o jornalista de Owen Wilson; o pintor louco vivido por Benicio del Toro inspirado por uma policial (Wes Anderson se aproveitando bem dos atributos físicos de Léa Seydoux), um caso apresentado pela curadora Tilda Swinton e contando ainda com o negociador Adrien Brody; o apreciador culinário (Jeffrey Wright, que eu desconhecia antes desse hype sobre “American Fiction”, apesar de várias incursões nos 007 e outros filmes no currículo) que visita um chefe de delegacia e presencia o salvamento do filho sequestrado do inspetor; e talvez o que mais tenha me tocado, a rebelião juvenil liderada por um Timotheé Chalamet jogador de xadrez contada pela mulher que não se casou porque não quis, mas quando se quer viver de escrita… vivida pela Frances McDormand. É, como já virou praxe, o elenco é estelar e Anderson continua com seus enquadramentos perfeccionistas, fotografia vintage, brincadeiras de imagem, mas eu nunca desgosto dos trabalhos desse diretor, são sempre aprazíveis para mim.

Quando Paris alucina” (1964) também veio aos meus olhos porque me interessei pela historinha, sobre um roteirista em Paris! E tem a Audrey Hepburn que eu amodoro desde sempre, vivendo a datilógrafa que ilustra as possibilidades desse roteiro para ele, um alcoólatra com bloqueio (vivido por William Holden, que no meio da produção foi realmente internado, ele sofria mesmo nessa época com o álcool). Audrey é adorável, com seus olhos mágicos, apontados pelo roteirista, vestidinhos clássicos e aura amorosa, e talvez o ritmo capengue um pouco, mas o filme tem seus momentos divertidos, paspalhices (incluindo participação especial do ator Tony Curtis) a ainda algumas piscadelas aos cinéfilos – como não reconhecer a cena descrita de “Bonequinha de Luxo”, ou sorrir porque sabemos que “Minha bela dama” (My fair lady) foi protagonizada por Audrey também (e lançado no mesmo ano! Apesar deste ter sido filmado em 62).

Outra escolha por ver uma personagem escritora foi “A flor do meu segredo” – fazia tempo que eu não conferia um Almodóvar, e que bom pra mim, ótimo pra um início de ano. Sobre uma romancista de novelas água com açúcar, que tem que lidar com a traição de uma amiga e separação do marido, além de querer escrever outras coisas. Sempre com suas cores fortes e retrato apurado das mulheres e seus sentimentos profundos, chamou-me a atenção o que a mãe da Leo conta sobre um momento após a separação para ir ao seu interior natal e não se tornar uma “vaca sem sino” (sem rumo, sem eira nem beira). De modo único, diálogo muito apropriado. Quantas vezes já não me senti como essa vaca, após algum desses baques de vida ao me iludir com uma coisa ou outra?

Para finalizar este apanhado, o filme que mais conversa com minha vontade de escrever. Talvez inesperadamente para o leitor deste post, “O território” foi o documentário ganhador do último Emmy! (2023 ou 2024?). A primeira vez que ouvi falar dele foi, pra ser honesta, num post do Instagram do Leo DiCaprio (claro, por que não?). Sem muitas “barrigas”, como vários documentários que já vi, mostra a luta de um grupo indígena cujas terras sofrem invasão, principalmente depois do apoio do governo federal (do Bolsonaro) a agricultores, ou mesmo madeireiros, grileiros e afins. Lembram como os desmatamentos estão ligados às questões ambientais, mas são bem justos, mostrando o outro lado, dos invasores, também. Afinal, se a questão fosse simples, já teria sido resolvida, não? Há muito mais envolvido, os invasores que não sentem estar fazendo algo errado, o “espírito colonialista” arraigado de ocupar terras, tomar posse, aquela ideia de ter o seu para levar uma vida melhor… Muito boa a atenção dada à futura geração, conseguiram criar tensão com a morte do indígena após o termos conhecido e seguimos com as câmeras do próprio povo no meio da mata inspecionando. Por vezes, fiquei pensando em como até parece ficção – só que não, bem que a gente gostaria que fosse ficção.

E esse filme fala comigo porque de certo modo é o que eu gostaria de fazer. De ver mais. Sobre natureza, meio ambiente, algo que contribua para que mais pessoas entendam o que realmente é importante, além das economias ou das pequenices, cuidar do planeta tornou-se algo urgente e que está aqui, não está mais longe de nós não. Que bom o prêmio para o pessoal, que dê mais visibilidade às vozes indígenas. Que traga mais consciência. E olha que o diretor, a produção, é de pessoal de fora. Então, eu não preciso sentir vergonha de não ser uma daquelas pessoas ali pra poder contar essas histórias. Porque dizem que devemos contar algo que conhecemos, nossa vivência, mas talvez também seja bom ter a visão de quem está de fora no interesse e respeito para dar abertura e expressão a quem está ali envolvido realmente nas situações difíceis. Até o próprio filme do Scorsese aí nas premiações deste ano, vejo como um exemplo disso. Sim, é um filme feito por “brancos”, mas com todo o respeito e consideração pelo coração desse povo indígena, abrindo sua história para que chegue a muito mais pessoas. Não é presunção. São histórias que precisam ser contadas, para incitar, fazer refletir, inspirar. E são as que queremos ver.

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