Barbie (e a vontade de boicotar o Oscar?)

Pois é, saíram as indicações ao Oscar deste ano e não apareceu nenhum post por aqui, daí algum esparso leitor afoito poderia se perguntar se eu finalmente desisti disso. Porque todo ano eu faço uma “maratona”, fico toda animadinha pra ver todos os filmes, quer dizer, pelo menos os indicados a melhor filme, é meio que minha diversão de cinema do ano. “Ah, não me diga que é porque a Greta Gerwig e a Margot Robbie foram esnobadas?”; “Pior, não me diga que é porque o Leonardo DiCaprio foi esnobado?!”. Calma, calma, não criemos cânico.

Recentemente eu revi o filme com os comentários da diretora Greta, e sim, continua para mim como eu lembrava, um charme, uma graça, com algumas cenas maravilhosas, porém… não é exatamente material de Oscar, né. Tipo, o monólogo da America Ferrera é perfeito, eloquente talvez porque eu entenda que ela própria luta pelos direitos das mulheres e dos latinos em Hollywood há algum tempo – o que ficou bem claro com a homenagem recebida no Critics Choice Awards (aliás, primeira vez que vejo esse evento e fiquei bem contente, piadas bem melhores da host, que não ofendeu nenhum roteirista nem implorou por aplausos ou risadas). Mas… é realmente uma indicação digna de Oscar? Pra mim, é meio que pra preencher um espaço ali, mais como uma declaração de que sim, reconhecemos tudo o que ela representa, a diversidade e tudo o mais, mas como em muitas outras indicações na história do Oscar, sua performance em si não é exatamente a que merece o prêmio ou mesmo a indicação.

O mesmo vale para o Ryan Gosling, que sim, garante várias risadas como um Ken submisso, que descobre um valor pra própria existência além de servir a Barbie – são sim ótimas as piscadelas em toda a projeção para esse papel invertido que as mulheres sempre tiveram e nesse mundo da Barbie é o contrário, elas é quem tem o poder e mandam no mundo – muito engraçado, como ver um garotinho que ganhou um cavalo de brinquedo novo no Natal, por vezes bobo e até ingênuo, mâsss… pensem, será mesmo que vale uma indicação ao Oscar? Será mesmo que ele vai aparecer num número musical homenageando sua cena de dança “I’m just Ken” do filme? Aliás, Greta se inspirou em “Cantando na chuva” e fiquei contente de saber que nisso também ela quis fazer a inversão – geralmente nos filmes antigos víamos várias mulheres dançarinas para um homem, aqui temos vários dançarinos para a Barbie.

Tá, podem me chamar de preconceituosa, quer dizer que uma boa comédia não tem direito a ganhar o Oscar, como sempre aconteceu, não está na hora de mudar algo? Claro que sim, amo ver comédias românticas, e há comédias incríveis por aí. Mas sério que vocês não ficaram com nenhum pouquinho de vergonha alheia quando a Barbie sai correndo pelo prédio da Mattel e os executivos atrás dela? Tá, foi proposital a paspalhada, inclusive manter a bobagem de ninguém ter um crachá para passar pela catraca, mas vocês realmente acharam isso genial?

Gostei bastante de alguns personagens coadjuvantes, como a Barbie “estranha” (Kate McKinnon), refletindo como muitas garotinhas gostam de ser criativas com suas bonecas, ou o próprio CEO vivido pelo Will Ferrell, que não é aquele magnata sem coração, quebrando mais um estereótipo. A canção da Billie Eilish realmente foi feita com muito carinho, ressoando o coração da Barbie em seu dilema.

Vou dizer o que achei genial: a direção de arte. Sim, esse desenho de produção, trazendo para o nosso tamanho da vida real o universo das bonecas, foi fabuloso, incluindo claro todos os figurinos e referências às diversas bonecas, os cenários em que parte parece brincadeira de criança (a geladeira com adesivos, a casa aberta sem escadas, a praia sem água de verdade, a ambulância que se desdobra ali mesmo etc), o carro pequenino que não precisa realmente ser dirigido, até os dioramas na viagem até o mundo real. Tudo perfeitinho.

Genial é o mote que é a essência de toda a narrativa: Barbie pode ser o que quiser. E o roteiro elabora bem o desdobramento disso, e se ela não quiser essa vida perfeitinha, porque todas as mulheres do mundo sempre tem inquietações, isso é fato, desde o início quando não se queria apenas ser mãe (por que não já começar o filme com referência a 2001?, esse também é um dos meus favoritos, essa é a cena de r/evolução); passando pela adolescência ou juventude, querendo reafirmação do seu próprio lugar no mundo, reconhecimento e merecimento; ou simplesmente mais velhas, ver admiradas nossas crias alçarem outros voos. E Barbie pode sim não usar salto alto e dizer com orgulho que vai ao ginecologista!

Ou seja, essas são categorias que ganham meu voto, com certeza. Foi um fenômeno mundial, como há muito tempo não se via no mundo do cinema (tudo bem, teve aqueles anos de super-heróis da Marvel, mas sem tantos fãs vestidos de cor de rosa e a gente esperando ansioso para ver o figurino da Margot Robbie promovendo o filme por aí), levou muita gente ao cinema e tinha que ser reconhecido de algumas maneiras. Não podia ter tido uma atriz melhor para encarnar a boneca mais famosa do mundo, e é óbvio que todos os envolvidos se divertiram e abraçaram o projeto. Mas nem achei tanto que foram “esnobadas”. Deve ser difícil preencher apenas cinco vagas entre tantos talentos.

“Barbie” foi indicado a melhor canção original (“I’m just Ken” e “What was I made for?”), desenho de produção, figurino, atriz coadjuvante, ator coadjuvante, roteiro adaptado e melhor filme.

A minha vontade boicotar o Oscar este ano é simples e pura… preguiça. Acho que “Oppenheimer” leva vários, já sei quem vai ganhar certos prêmios. Quer dizer, todo ano é meio previsível, mas este em particular, não sei. Não tá me dando muita vontade de ficar me deslocando aos cinemas pra ver certos títulos. Não tá me dando nem vontade de ver certos títulos no conforto do meu sofá pelo Netflix! (“A sociedade da neve”? Sério que vocês se animaram com outro filme desses, do pessoal preso na neve sem ter o que comer?). Acho que sou eu, preguiçosa.

Claro que vou acabar vendo a festa, mas parece que estou velha mesmo e lá se foram os tempos em que eu ficava chateada por não poder ver o Oscar…

Uma cena: Esquadrão Suicida

(Suicide Squad / 2016) **

Hoje é aniversário da Viola Davis, e por que não aproveitar para escrever algum post, mesmo de um filme que eu não tenha gostado muito? (e por que eu não gostei? Porque sou maria-vai-com-as-outras e li críticas por aí?). E não que a Viola seja crucial pra este filme, enfim, David Ayer tenta, mas talvez não adianta se estressar, não é só pressão de estúdio, talvez… você não seja um bom diretor? Desculpe, falei demais, ignora. Geralmente os filmes ainda em cartaz no cinema ganham fotinho aqui e não fazem parte de “Uma cena”, mâs…

Historinha: vilões são recrutados para lidar com ameaças fora do controle da polícia comum.

D: – lembra de como você se divertiu assistindo a Capitão América: Guerra Civil (2016) ***? Agora pense nas piadas forçadas deste filme e vai perceber que não são risadas honestas como as da Marvel.

– Por que raios o sonho da Arlequina é ter um casamento estilo comercial de margarina?! Era pra ter sido uma piada? Mas os sonhos dos outros personagens eram sonhos “sérios”… Harley Quinn, pela suposta personagem que é, jamais teria um sonho assim! Mesmo que todos os homens do mundo achem que no fundo todas as mulheres do mundo tem esse sonho, ela não é qualquer mulher… catzo.

– É óbvio que o plano da Amanda Waller não daria certo. É óbvio que Coringa ia aparecer de novo. É óbvio que um filme blockbuster tenha motivações tão ruins, exposição exagerada e não inteligente, tanto espaço pra única garota sexy em tela e um Boomerang que só serve pra fazer rir dos unicórnios? Não, não é, e me cansa.

– Sim, eu gosto das canções da trilha sonora, elas estariam no meu playlist. Mas… e a combinação da trilha com a imagem, cadê?

– Gente, nem precisa falar que um Joker como o do Heath Ledger nunca mais na vida vai acontecer, precisa? Deixem o Jared Leto em paz, ele só gosta de figurinos diferentes.

:D – pra não dizer que não gostei de nada, eu gostei da cena em que vemos a transformação da June em Enchantress pela primeira vez, quando vemos o detalhe da mão escura invadindo por baixo e virando tudo.

– também gostei do personagem de El Diablo. Pra mim é o personagem mais coerente e ninguém imaginava o que ele realmente poderia virar no final. O Deadshot do Will Smith também é sério, mas ele continua com uma cara de coitado e não me animou muito. Coitado mesmo é o cara que faz o Killer Croc, com toda a maquiagem e protética.

 

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E pra não dizer que não falei de Budismo… no Ensinamento “S” que sigo, o principal texto do Buda em que nos baseamos é o Sutra do Grande Nirvana, últimos ensinamentos deixados pelo Buda antes de partir deste mundo. Um dos pontos principais é de que todas as pessoas possuem uma natureza inata para o bem, ou a “natureza búdica”.

Tudo bem que ninguém quer um filme com vilões que, ah que lindo, descobrem que são bonzinhos no fundo e se unem numa panelinha. Não, mas dizem que a natureza búdica são nossas qualidades boas e todos as temos. Alguns tem talentos que outros não têm, e acho que essa é que deveria ter sido a parte divertida de Esquadrão Suicida, ver os talentos desses vilões se unindo – embora, neste filme… qual é o talento da Harley Quinn mesmo? Ser louca?

 

3 filmes espertinhos: Steve Jobs, A grande aposta, Spotlight

E haja filme baseado em fatos reais indicados ao Oscar este ano, hein?! Ou talvez eu não tivesse percebido isso antes, mas tenha acontecido desde sempre. Porque, afinal, a arte olha para a nossa condição humana e podemos descobrir o que não havíamos visto antes.

Teve uma semana aí que eu vi estes três filmes no mesmo dia, que creio ter pontos em comum, além de serem baseados em fatos reais: tentam ter uma dinâmica particular pra tratar de temas inteligentes, são todos filmes espertinhos.

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Steve Jobs
(Steve Jobs / 2015) ***

Historinha: o empreendedor da Apple menos endeusado.

:D – quando eu saí da sessão, um senhor de uns cinquenta anos no elevador falou “eu vivi tudo isso, não foi bem assim não!”. Ele teve que descer logo, de modo que eu não tive a chance de perguntar como é que foi isso, só deu a entender que viveu no Vale do Silício nessa época – conheceu Jobs pessoalmente? A impressão que me fica deste filme é exatamente essa, que nunca alguém conseguirá retratar quem foi Jobs realmente, cada um terá uma impressão, mas o filme pelo menos se esforça em não endeusá-lo e nem julgá-lo ferrenhamente.

-gosto que o roteiro tenha tomado essa forma de contar, concentrando-se em 3 lançamentos importantes em vez de tentar abranger toda a história de vida da pessoa, numa cronologia monótona. E as sequências de embates no diálogo é puramente Aaron Sorkin. Espertinhos.

-todo mundo importante deve ter uma assistente pessoal como a personagem de Kate Winslet, que esmero. Jeff Daniels está vilanesco neste aqui também (Perdido em Marte), Seth Rogen convence como um nerd injustiçado, Michael Stuhlbarg passa uma fragilidade afável e Michael Fassbender acerta em detalhes. Que elenco bom, hein, Danny Boyle.

-sim, percebemos visualmente a passagem do tempo com as diferentes lentes para diferentes épocas. Os figurinos e os cenários de lançamento seguem de acordo. Mas o mais legal é rever aquele comercial, ou lembrar de como eram os computadores pessoais nos anos 80, perceber como tudo mudou.

– uma das cenas que eu mais gosto é quando Wozniack e Jobs conversam onde ficaria a orquestra, ouvimos a afinação dos instrumentos, e Jobs explica o que ele faz, não é design, ou técnico em computadores, ele é o regente da orquestra. Outra cena seria ele finalmente se render ao carinho pela filha, e mesmerizado com sua própria ideia, contar que um dia ela vai ouvir milhares de músicas sem ter que carregar aquele troço…

Steve Jobs foi indicado ao Oscar para melhor ator e melhor atriz coadjuvante.

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A grande aposta
(The big short / 2015) ***

Historinha: casos de quem apostou na crise econômica.

:D – um filme que repensa a crise financeira de 2008 por um viés mais interessante. Afinal, porque mostrar apenas uma família que perde seus bens, é mais desafiador e inusitado a nós, pessoas comuns, ver os outros lados.

-alguns momentos realmente ganham pontos com a gente. Os dois rapazes bobos que servem de alívio cômico, e tem aquele momento em que comemoram por ter dado certo, mas ao mesmo tempo sabem que para a maioria, isso significava perdas. Mark Baum (Steve Carell) jantando com um especialista na área e percebendo a real, depois na conferência jogando na cara dos bancos, uma lavada.

-o trabalho de Christian Bale, que se destaca na produção, incorporando no olhar, nos trejeitos físicos, o que era esse cara meio doido que quase levou sua própria empresa à falência.

-a mulher atendendo eles de óculos escuros, não querendo ver a verdade?

D: – Brad Pitt fez uma ponta de luxo. Ryan Gosling caricato e nem sei se precisava daquilo. O drama pessoal de Baum não tem tanto impacto, exatamente por esse clima de sátira.

-o filme é espertinho porque tenta explicar os termos financeiros e de mercado imobiliário quebrando a quarta parede (a pessoa do filme fala com o público), inserindo celebridades como um chefe de cozinha ou Margot Robbie (sério, que homem prestou atenção no que ela dizia, com ela numa banheira de espuma?). Sabe quando alguém tenta ser engraçadinho demais e acaba te irritando? Foi mais ou menos assim, pelo menos pra mim. Mas fazer o quê, o diretor veio das comédias.

A grande aposta foi indicado nas categorias: melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Christian Bale), roteiro adaptado, montagem.

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Spotlight: segredos revelados
(Spotlight / 2015)***

Historinha: um grupo de jornalistas investiga casos de padres pedófilos.

:D -acredito que este filme não teria sido tão importante caso tivesse saído há uns 20 anos. Digo isso porque mais do que os casos de pedofilia em si, é revelador o trabalho árduo dos jornalistas numa época em que jornais impressos tinham um poder de opinião e expressão fundamental para a sociedade. Talvez fique para as gerações futuras perceberem como era o jornalismo sério, cujas informações eram bem investigadas e elaboradas, sem leviandade e com respeito à população – algo que parece se perder cada vez mais, em tempos de Google e internet.

-dito isso, entra outro ponto que poderia ser polêmico, a relação com a igreja, e como a instituição aparece com um controle que parece se estender desde os tempos monárquicos e feudais. E o filme não tem medo de se posicionar firme.

-fora esses méritos, ele consegue ter o ritmo certo da urgência final nas investigações para publicar a matéria, e também para que nos sensibilizemos com os conflitos pessoais dos próprios jornalistas e das vítimas entrevistadas, capturando o interesse do espectador mesmo só com uma Rachel McAdams apreensiva pela avó, ou com um Mark Ruffalo exausto.

-o personagem do advogado de Stanley Tucci (bom ator muitas vezes negligenciado por Hollywood, vamos combinar?) está perfeitamente caracterizado, numa pilha de documentos e aparência de quem luta há tempos em suas condições humildes.

Spotlight foi indicado para as categorias: melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Mark Ruffalo), atriz coadjuvante (Rachel McAdams), roteiro original e montagem.