Dia Mundial da Diabetes e “Assassinos da lua das flores”

Pois este ano que eu estava lembrando do dia, 14 de novembro, como estava em viagem acabei nem registrando nada. Alguns dias antes eu tinha pensado em conferir “Continência ao Amor” que está disponível no Netflix, a princípio insuspeitável de se tratar do diabetes, que só descobri ter a ver com o assunto quando uma influencer postou no Instagram uma lista de filmes com a temática. Ainda pretendo conferir, mas eis que sou tomada de surpresa por outro personagem diabético do qual nem suspeitava, no filme do Scorsese.

Deixei pra ver em tela grande numa data especial também, aniversário do meu eterno Leo, e aproveitando que ia estar “de boas”, de “férias” da pequena. Mais de 3 horas e meia de filme tem que ser em ocasiões especiais assim, temos que nos preparar antecipadamente.

Férias essas, a bem da verdade, um tanto quanto cansativas, porque eu peguei a semana para participar de um festival de roteiros em Porto Alegre, e mais sobre isso deve vir num post compilado do que pude ver por lá. Aliás, imagino que vou tirar uma semana em dezembro para “desovar” alguns posts que ficaram por sair para ganharem a luz da world wide web. Por agora, concentro-me no filme que com certeza arrebatará indicações ao Oscar (já me adiantando para futura maratona anual…).

Assim que pisei os pés para fora do aeroporto de Porto Alegre começou a chover, e fui ver na previsão do tempo que aquela semana choveria todos os dias. Acabei indo de uber para o hotel e depois também para o cinema mais próximo onde pude encontrar uma sala em que estivesse passando, seria a do Shopping Moinhos, lugar muito chique que me pareceu ter sido construído consonante ao público do hotel Hilton grudado, com uma série de homens de preto na porta (depois me perguntei se estavam à espera de algum convidado importante?). Eu tinha um guarda-chuva, fui na farmácia comprar um resfenol, fui em um mercadinho próximo comprar água, passei no café e acabei com uma mini ciabatta com rúcula no recheio e um chá gelado tropical sem açúcar. Sim, comprei pipoca, para me “alimentar” durante esse tempo de tela, embora eu tenha sempre que relembrar meu próprio tamanho: uma pipoca grande é um pouco demais pra mim mesmo, depois fiquei comendo essa pipoca em outras madrugadas.

Pois é, tenho diabetes, mas a essa pipoca eu não resisti. Sempre levo pelo menos um chocolatinho pras sessões (adoro aquelas barrinhas fininhas de Kinder!), não gosto de fazer muito barulho comendo no cinema, mas sabia que ia ficar mais de quatro horas sem nada se não fosse pelas indulgências. E no transcorrer, fiquei imaginando como deveria ser complicado na época, existia muito menos conhecimento sobre a doença do que há hoje em dia. Acertado quando Ernest aponta para o doutor alguma comida que a esposa não falou, quantas vezes nós diabéticos não somos apontados por outros sobre alimentos que não deveríamos ingerir? Muitas vezes a intenção da pessoa é boa (mas que é um saco, é). A bem da verdade, sempre imaginava que antigamente as pessoas nem eram diagnosticadas – ainda hoje acredito que há muita gente por aí que tem a condição e nem desconfia, pois não há sinais debilitantes tão gritantes, pelo menos não por um bom tempo. Daí me surpreendi que Mollie já sabe que tem, os médicos lhe arranjam a recém-criada insulina (e realmente na época advinda de animais, hoje já é fabricada sinteticamente).

Ou seja, sim, aprovo o realismo desse retrato, talvez isso se dê porque os personagens são baseados em pessoas reais, assim como o caso dos assassinatos do povo Osage, o grande tema do filme. É ótimo que ao dar contexto à condição de “novos ricos” da região, Scorsese tenha optado por além de um didatismo convencional no início e trazido a efusão com o petróleo numa câmera lenta e bela fotografia.

Por vários momentos é claro que se beneficiam da localização e as paisagens, e a construção dos cenários, os figurinos especiais para os Osage contribuem imensamente para sentirmos essa época, vide a reconstituição de uma cerimônia de casamento. É muito especial a cena da morte de uma senhora, nos deixando vivenciar um pouco da espiritualidade desse povo, presenciando o respeito que a obra procura trazer por suas tradições e própria existência.

Fiquei sabendo que mesmo depois de já ter trabalhado na história por alguns anos, decidiram mudar o foco do detetive (nesta versão vivido por Jesse Plemmons, adequadamente nos fazendo sentir que quer ajudar, mas calmamente inquisidor), para o do personagem ambíguo do Ernest (Leo DiCaprio), que é meio estúpido, em certos pontos até vulnerável, mas sabe que é melhor aproveitar o apadrinhamento do tio William Hale (Robert De Niro), um lobo na pele de cordeiro, fazendeiro rico ardiloso que se finge amigo, mas é quem realmente está por trás dos crimes cometidos contra o povo indígena.

A tensão crescente só poderia dar certo com um diretor do calibre de Scorsese – um dos últimos mestres do cinema ainda vivos, não? A esta altura do campeonato, nem tem como produzir algo ruim, ele sabe o que quer com suas cenas, o que e como tirar de seus atores, entende muito bem de conflitos em cena. De modo que, apesar da longa duração, é pouco sentida uma “enrolação” na trama, tudo vai degringolando para complicações com Ernest se envolvendo em golpes cada vez mais hediondos, até se dar conta da gravidade num intenso momento após a explosão de uma casa.

Como todos os atores são muito bons, não há muitos momentos desperdiçados, seja em embates de olhar, do clima criado também pelo ambiente (e o que é aquela gente toda naquela sala escura quando Ernest sai da prisão?), até por silêncios. Adoro a cena em que Mollie diz para Ernest simplesmente parar e ouvir a tempestade; e, claro, ao final, quando ele já tinha confessado tanta coisa, ela lhe pergunta se foi apenas insulina.

No fundo, no fundo, eu esperava que ele fosse completamente honesto, porque de algum modo sentimos um certo tipo de “amor” ali, mas ela já nunca mais poderia confiar nele. E Scorsese não precisa explicar, embora ele dê seu aparecer bem lá no final de tudo mesmo, alterando abruptamente o tom meio de “bordão” teatral, para que as audiências modernas compreendam que apesar de ele próprio ser um realizador branco, existe sim o registro, a empatia e o respeito, devidos para este e tantos outros povos na história injustiçados.

Claro que o baixinho não deve enviar uma indígena em seu lugar, à la Marlon Brando, mas desde já torço no Oscar pela Lily Gladstone, que sisuda, contida, firme, é uma joia que só acrescenta ao brilhante todo.

CICGC – week 4

Acabei não postando no último final de semana, mas continuo assistindo aos episódios de Comedians in cars getting coffee. Estou vendo os episódios aleatoriamente, começando por alguns nomes da comédia que já conheço. Todos os carros que o Jerry escolhe são bem únicos e cada episódio começa com uma breve explicação sobre eles. Os locais em que vão tomar café também são diferentes a cada vez, engraçado que Jerry não tem medo de ser franco e se mostrar um chato – no episódio do Kevin Hart ele até reclama que estava tudo errado, veio no copo de plástico e mais gelo do que café, haha. Mas eu tenho a impressão de que o café Lavazza é o patrocinador desta série, porque tem muitos episódios em que eles estão tomando Lavazza, principalmente nos mais recentes.

Já na nossa vidinha ainda com o isolamento físico da Covid-19, nessa semana que passou eu acabei vendo um filme pela Netflix só porque estava entre os Top 10 do dia, essa nova do canal. Código 8: Renegados (2019)** tem a premissa de que pessoas com poderes acabaram marginalizadas e um rapaz que tem a mãe doente acaba se envolvendo com pessoas poderosas de contrabando de drogas. O mais legal foi eu descobrir depois que na verdade era um curta e o pessoal arrecadou dinheiro e conseguiram fazer o filme, além de que é empreitada de dois primos – um atua na série Arrow e o outro já atuou em Flash. Esses exemplos de produção me fazem lembrar sempre que às vezes é a vontade das pessoas “comuns” que faz a diferença mesmo, nessa semana em que continuamos a louvar as diversas iniciativas locais de solidariedade apesar de toda a politicagem e saída de Ministro da Saúde em meio a uma pandemia mundial…

Mais uma vez lembramos daquele velho conceito budista que depende de cada um para termos mais igualdade, harmonia, e consequentemente, felicidade. Cada um tem sua capacidade, seja em doações ou ajudando algum trabalhador autônomo, pode ser uma celebridade que tenha voz para incentivar outros – ai, como eu queria morar nos Estados Unidos e poder participar da doação pra concorrer a um papel num filme e almoço com o Martin Scorsese, Leo e Bob! Ai, ai…

Bem, vamos ver se esses auxílios da caixa e do governo realmente vão funcionar e quanto tempo o povo ainda aguenta a quarentena… me parece que daqui a pouco ninguém mais está respeitando e aí vamos ver essas taxas de mortes… ou será que vão funcionar aquelas teorias da conspiração?

Abaixo, os episódios desta semana da série do Seinfeld, o cara que fez a série sobre nada – o que parece que anda acontecendo em muitas lives por aí. Pelo menos eu dou alguma risada pela manhã com ele.

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Jerry Lewis (Heere’s Jerry! – 2018)

Parece que esta foi a última participação em programa de TV do Jerry Lewis, a maior parte do episódio é eles conversando no que presumimos ser seu escritório em casa, em Las Vegas (?!), com um Oscar bem ali no meio da mesa pra gente ver. Que vontade de ver essas comédias antigas com o Jerry Lewis, que me parece genial em ser um pateta… :) este episódio, aliás, tem bastante cenas dos filmes, achei; por exemplo analisando como surgiu a do telefone em Mensageiro Trapalhão (1960) – aliás, engraçado notar como costumavam usar muito a palavra “trapalhão” nos títulos de comédia mais antigos… Ótima a cena do programa antigo em que chamam por “Jerry” e os dois vão para o palco. Seinfeld demonstra uma admiração genuína pelo rei da comédia, então acho até digno que seja sua última aparição pra TV, com os dois no carro conversando e comentando que não acaba, Lewis não ia parar até o fim dos seus dias…

Jamie Foxx (You gotta get the alligator sweat – 2019)

E eu que nem sabia do histórico “cômico” do Jamie Foxx? Pra mim ele sempre foi o cara de Ray (2004) *** e Django Livre (2012)****, além de vários outros filmes que eu gostei em menor proporção. Puxa, o cara parece ter muita energia e gostar de um estilo diferentão, seja pra vestir ou pra morar – Nova Orleans? Tem alguns momentos bem engraçados, incluindo essa piada da comida servida nessa região quando ele quer só um frango frito, rs.

Melissa Villaseñor (TBA – 2019)

Na verdade eu peguei pra ver este episódio porque na descrição já falaram que visitavam um museu da comida – e essa foi a parte mais divertida! (Na realidade, acho que era só sobre comida chinesa, mas tinha um carinha lá cozinhando na hora para os visitantes!). Não sabia mesmo quem era Melissa, porque não vejo o programa SNL, mas por acaso andei pegando vários episódios com convidados que fizeram vozes em Pets: a vida secreta dos bichos (2016)**, o que não é o caso; embora ela tenha feito vários trabalhos para desenhos. Não achei nada neste episódio tão engraçado, e até me incomoda como ela ri de tudo, ri muito de qualquer coisa que o Jerry fala…

Dana Carvey (Na.. ga.. do.. it – 2018)

Que lugar mais chique esse em que eles vão tomar café… e Carvey pergunta das outras pessoas, se fazem parte do show, há! Sinceramente, eu só lembrava de Quanto mais idiota melhor (1992), mas ele também fez trabalhos de voz para animações e alguns filmes com Adam Sandler, sem falar que sempre me impressiono em como os convidados comediantes, mesmo com certa idade, parecem continuar trabalhando – talvez em apresentações de stand up? Eu não acompanho este universo, então só fico imaginando como deve ser isso, passar a vida trabalhando em bolar histórias engraçadas e esperar por risos. Jerry sempre afirma que não é o tipo fácil, mas ele sempre parece se divertir muito com seus convidados. Neste, ele racha o bico com algumas imitações do Dana e ele próprio comenta que é o cara que não entende nada de música e quer comprar o instrumento mais bonito!

Kevin Hart (You look amazing in the wind – 06 de novembro de 2014)

O próprio Kevin admite que ele teve uma época “baixa” em sua carreira, para depois voltar a decolar de novo. Eu mesma acho que só vi Jumanji (2017) *** recentemente, embora tenha vários filmes no seu currículo que eu tenha visto e não me lembre exatamente do seu personagem neles – No auge da fama (2014) **, É o fim (2013) **, Cinco anos de noivado (2012) **, O grande Dave (2008)**, O virgem de 40 anos (2005) ***, Quero ficar com Polly (2004)***. Legal foi ver Jerry comprar o mesmo tênis azul pros dois, depois de passarem pra pegar um suco verde, ehe.

Ricky Gervais (China maybe? – 2019)

Foi dividido em duas partes, o que vou considerar só um episódio, porque foi um convidado só. A gente já tinha visto um passeio com Ricky cagando de medo no carro com Jerry, desta vez é um carrão o escolhido, mas ficam presos no tráfego sem ter o que conversar, ehe, apesar de parecer que os dois se divertem na companhia um do outro. Na primeira parte, logo no início tem a “bomba” de Jerry responder “na China, talvez?”, o que seria algo politicamente incorreto, mas é o que deve vir na cabeça logo de cara para qualquer ocidental comediante. E daí fica a questão permeando todo o episódio, se devem manter essa piada na série ou não. Ricky parece ser por dentro um cara muito gentil e de bom coração, e tem até dózinha por não ter comprado nada na loja de doces… mas a piada ficou como algo central do episódio, claro.

Mad Max: Fury Road

2015
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Esta não é uma crítica, nem resenha, porque convenhamos, quem sou eu pra falar qualquer coisa de um diretor que aos 70 anos consegue entregar pra gente um filme como Mad Max: Estrada da fúria (2015)? Nada, não tenho nada a comentar. Lembro-me de como Martin Scorsese, da mesma forma, me deixou embasbacada com seu O lobo de Wall Street (2013) ***, aos seus 70 anos também. Os velhinhos dando uma verdadeira aula, mostrando pra essa geração que tem tudo tão fácil como é que se faz cinema de verdade. Todo mundo já falou como este filme é fantástico e fiquei semanas pensando nos pontos ruins dele… na verdade, é difícil mesmo. Então, este texto aqui é só pra deixar registrado tudo que a minha memória tão fugaz não permite existir por muito tempo.

:D – George Miller! E sua direção mais do que competente, inventiva, sem medo, louca, voraz. (E suspeito que este é o Mad Max que ele sempre quis fazer).

– Todo o estilão consagrado pelos primeiros filmes, os carros, os desertos, os figurinos/desenho de produção meio trash, meio punk, totalmente apocalíptico.

– A questão ambiental, a água como poder; a cena em que é jorrada uma cachoeira e as massas desesperadas esperam por ela. A esperança, a cena em que a gente encontra o grupo de motoqueiras e encaramos a realidade, e quase acreditamos que elas iam para um infinito de sal. Um roteiro que não te desperdiça.

– A ação quase ininterrupta, com alguns respiros apenas (porque senão nosso coração não aguenta, né). E todo o baile que a câmera conduz, com a combinação de cortes precisos e direções de olhar e espaço tão bem orquestradas (faz a gente até ficar orgulhoso pelo nosso cérebro conseguir acompanhar tanta coisa!).

– Quase todas as cenas! A bolsa de sangue, a perseguição ao caminhão e como somos apresentados aos kamikazes “imortais” de Immortan Joe; a tempestade no deserto, a beleza estética de suas mulheres em contraste àquele deserto árido; a passagem pelo desfiladeiro, o cara da guitarra de fogo, os caras pendurados em varas, até um indício de romance com Nux, o azul e aquela areia movediça que os atrasam tanto, a decisão de voltarem à Cidadela… Eles têm até direito a uma cena à la Os sete samurais (1954)***, o cara desaparece sob a névoa e volta com o trabalho feito – um beijo estalado em George Miller.

– Furiosa!!!!! Charlize Theron é uma das melhores coisas do universo que Hollywood jamais conseguiria produzir, mas produziu. E ela rouba a cena de boa, sem um braço, sem romance nada a ver, sem piedade hipócrita nem dó.

Arrumação II – fechando uma conta / banheiro

No dia do segundo turno das eleições, eu até saí mais cedo do serviço. Eu ia pegar ônibus da Paulista, mas tinha trânsito, resolvi ir até a Vital Brasil, pisei fora do metrô e caiu um temporal de granizo, quando peguei o ônibus calculei que não ia dar tempo de chegar. Eu não votei. E depois passou 2 meses pra eu ir lá no cartório acertar o título.

Eu fui atualizar meu endereço nos bancos depois de uns 3 meses que tinha mudado.

Depois de 5 meses, ainda não cancelei a NET. Eu queria cancelar no final de julho, a moça me ofereceu um desconto, então pedi pra mudar o plano primeiro. Fui pedir a transferência de endereço e disseram que já tinha um registro no endereço e tinham que liberar. A NET nunca entrou em contato comigo, liguei e depois de mais de uma hora trocando de setores, liberaram o endereço. A NET entrou em contato comigo, mas disseram que não dava pra ter TV. Liguei para cancelar, me convenceram de que eu manteria o desconto e não seria um novo contrato. Não vieram buscar aparelho nenhum, mas aí lembrei que já tinham buscado (em julho). Liguei, disseram que não poderiam fazer transferência se tivesse boleto em aberto. Sabe o último post, sobre preguiça? (Desculpem, eu precisava tirar isso do fundinho do meu peito).

Meu avô faleceu em maio e eu demorei exatos 7 meses pra ir fechar a conta dele no banco. Fiquei igual a uma louca procurando a certidão de óbito, pra chegar no banco e o atendente nem olhar, porque a conta era conjunta e ele só precisava do meu documento.

Depois de tudo isso que eu contei, tudo bem eu escrever sobre a Mostra agora, apenas 2 meses depois, certo? Certo.

36ª Mostra Internacional de São Paulo

Pois é, não sei se é porque o Cakoff se foi, ou se o problema foi eu comigo mesma, mas este ano eu achei tudo meio “chato”. Eu não tava sentindo aquele clima de “oh, a cidade que respira cinema”, o final da novela da Globo foi mais importante que ficar na fila, os filmes que eu mais queria ver iam ser estreias do circuito, então, o que escrevo aqui pra vocês são apenas algumas coisinhas diferentes que a Mostra pôde me proporcionar este ano.

Prêmio Leon Cakoff para Domingos de Oliveira / Paixão e Acaso

Foi a exibição do filme mais recente deste ativo diretor / roteirista / ator, junto com a premiação (algo como “pelo conjunto da obra”). Renata de Almeida estava lá, chamaram a formosa Maria de Medeiros de última hora também pra entregar e Domingos o recebeu de bom grado, com um sorriso no rosto e bem humorado. Infelizmente não conheço a obra do diretor, mas me pareceu ser muito querido no meio. O filme que eu vi era sobre uma moça que alterna os dias da semana entre um romance com um cara mais velho e outro rapaz mais novo (que acaba por ser o filho do primeiro). Como ela é psicanalista, há esse viés para filtrar os acontecimentos, o diálogo com o pai falecido, por exemplo. Os clientes também são bem divertidos, e a cantora diva do barzinho. Espirituoso como me parece ser seu criador.
domingosoliveira

“…é um instrumento poderoso para tornar a vida melhor”

Aula magna com Sergei Loznitsa

Que “aula magna” que nada! Foi um encontro para perguntas e respostas depois da exibição de alguns curtas. O que ficou claro é o interesse do diretor de Minha felicidade na experimentação. Ele falou um pouco sobre um curta (O milagre de Santo Antônio) que foi quase um mini-documentário filmado em Portugal, sobre uma festa para Santo Antônio, com as pessoas locais nem ligando mais pra câmera. Falou sobre a relação com o editor de som, sobre montagem, sobre o uso de plano longo em outro curta, para enfatizar a sensação no espectador (era uma empreitada no meio de um nada gelado, de muito trabalho), sobre financiamentos para o cinema na Rússia. Mas o que mais gostei foi que ele me pareceu um garoto de olhos curiosos diante das diversas possibilidades dentro do universo cinematográfico.
sergei-loznitsa
“…o que mais valorizo no cinema é a liberdade”

Vão livre do Masp

Por mais bobo e caipira que isso pareça, esta tem sido minha maior alegria durante a Mostra. Trata-se de uma sessão de grátis, ao ar livre, numa das “marquises” mais famosas do Brasil, a exibição de um filme (quase sempre) muito bacaninha.

Este ano teve Shine a light, filme do Martin Scorsese que é mais show do que documentário, com algumas frases de bastidor ou entrevista, participações especiais como Christina Aguilera ou a parte masculina do White Stripes ou ainda a Hillary Clinton, mas deixando a gente à vontade pra curtir o que há de melhor nos Rolling Stones (mais do que a relação Keith Richards / Mick Jagger): a própria música dos Stones. É como um show gratuito, tinha um carinha roqueiro louco fora da plateia gritando e pulando, todo empolgado, todo mundo aplaudindo no final. Pra que enfrentar o trânsito de volta pra casa, quando a gente pode dar uma paradinha na rotina pra isso?
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E não pensem que essa empolgação do público em local mais aberto vale só para rock. Um musical mais “pop” também ganha as graças da plateia, com direito a gritinhos e assobios no final. Canções de Amor (Les chansons d’amour/2007), de Christophe Honoré, traz a historinha de um casal e mais uma garota, depois desse rapaz consolando-se com um outro amor. Livre, libertíssimo, tem a ousadia de transformar em musical um suposto tema de preconceitos, da forma mais natural e despojada, mas ainda com um certo quê de atrevimento. E tudo ali, na cara de quem quisesse parar pra ver, na mais paulista – na mais diversa? – das avenidas. Sabe aquele momento em que a vida faz um puta sentido?
2007-leschansonsdamour

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O banheiro

E antes de eu falar do melhor da Mostra pra mim, vamos falar da limpeza do banheiro. É um local que a gente tem que limpar toda semana, eu uso sapólio (pra pia, pro chão, pro vaso), álcool (pro guarda-trecos e espelho, pra parte de fora do vaso), cloro em spray (pros azulejos), “pato” (pro vaso), pinho (pro chão). Sim, eu sei lavar um banheiro. E sempre, sempre quis que algum cientista tivesse ideias brilhantes pra usar a “merda” de forma produtiva. Vocês não?

Pois uma das coisas mais divertidas que fiz durante a Mostra foi conferir uma sessão de Focus in Forward. Um projeto patrocinado pela GM, que traz curtas feitos por cineastas de diversos países, com alguma invenção ou projeto que possa contribuir para o bem estar da humanidade. E olha só: o primeiro curta foi sobre a merda! Como tratar de forma mais eficaz, com animação e tudo, um dos melhores na minha opinião (Meet Mr. Toilet). Dentre os diversos curtas, tinha sobre cirurgia do coração, programa de emprego pra ex-prisioneiro, auto-tune, capacete de bicicleta, almoço para crianças, uma moça e seus canudos no barco (Hilary’s straws), estradas de painéis de energia solar… tudo bem que dá pra acessar pela internet (focusforwardfilms.com) e eu não sabia, mas valeu. Na entrada, eu cheguei correndo, a única brasileira do projeto (Heloísa Passos, que ajudou na fotografia de Lixo Extraordinário) também correndo, e meio indignada com a burocracia no portão da Faap…

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Tabu (2012) ****

2012-tabu
Historinha: uma senhora e uma desventura amorosa na África.

:D: considerado como um dos melhores do ano por vários críticos, esta obra é um pequeno tesouro, uma preciosidade. O diretor Miguel Gomes não parece ter pressa, é claro, pra quê, quando estamos adentrando uma aventura destas? A lenda do caçador e do crocodilo, Pilar com vela artificial para oração, Santa lendo Crusoé, “shameonu”, Aurora e o sonho dos macacos, a câmera girando em torno da senhora de óculos…

“be mine, be my baby” – a solidão.

Daí, voltamos pra África, a jovem Aurora intrépida, as festas e a banda de Gianluca. Entramos numa brincadeira-homenagem ao cinema mudo (um crocodilo me contou Murnau), com narração e efeitos sonoros, mas sem diálogos, como a boa imaginação pediria de seus espectadores de histórias ou fábulas ou lendas fantásticas. Brincando de preto e branco: brancos ricos na África x serventes negros (e a figura bizarra do chefe cozinheiro?). Mais, a grande história de amor clandestino, dos corpos apaixonados, de gravidez, de fuga. E a mesma música…

“que disparate!”

A invenção de Hugo Cabret

(Hugo / 2011) ****
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História: um órfão na estação de trem revela o encantamento pelo cinema em aventuras.

:D: Eu não tô nem aí pra todos os críticos, estudiosos, entendedores de cinema. Não quero nem saber o que tinha no livro ou o que vão dizer do Martin. Ele é meu camarada e, menos pior do que Spielberg, sempre vou apoiá-lo. Pronto. Entenderam, né? Eu amei Hugo. Não o menino, mas o filme juvenil e 3D que Martin vislumbrou para tentar nos alumbrar ao deslumbramento diante do cinema. Sim, este é ingênuo e às vezes tem umas simplicidades aventurescas, coisas que não dá pra acreditar, redundâncias, algumas coisas que não contribuem muito para o intuito principal – mas é tudo tão bem cuidado nessa atmosfera mágica e romântica que eu me rendi por completo. A aventura do garoto é consertar um autômato, desafio a que tinha se proposto junto ao pai, a chave está com a garota que quer, pasmem, aventura (e quem não quer?), o inspetor da estação (Sacha Baron é engraçadinho com o cachorro e a perna, mas mais ainda pelo enamoramento) vai persegui-lo. Teremos umas correrias, cenas grandiosas, mas até essas ostentações, como o entender que cada um tem um papel nesse grande mecanismo que é o mundo (oh!), o se pendurar no relógio (hein?) são só pra… homenagear o cinema. E essa é a maior mágica do filme. Fazer a gente se emocionar ao (re) encontrar Meliés. E todas aquelas cenas dos primeiros filmes, o trem dos Lumière? E como deve ter sido prazeroso recriar os cenários em cores daqueles curtas, a casa de vidro, eu também posaria de fotógrafa! Ben Kingsley se redime de tudo (ele não tinha morrido depois de Gandhi?), tem até discurso pra preservar películas. É o amor pelo cinema que transborda pelas veias de Martin Scorsese – não me peça pra não ficar encantada.